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18 de Abril de 2024
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    Ônus da Impugnação Específica: dúvida razoável no Novo CPC

    * Texto publicado inicialmente no portal Jota

    há 8 anos

    O Novo Código de Processo Civil, em vigor há um mês, traz consigo boas novas, velhas conquistas, inovações e frustrações, bem como o refinamento de alguns regramentos processuais.

    A bem da verdade, a própria dicção de algumas regras processuais, no concerto do novo sistema processual, exprime sentidos e alcances diversos de outrora, exigindo nova vocalização por parte do intérprete.

    É assim quanto ao ônus da impugnação específica do réu, prevista no artigo 341 do Novo CPC, principalmente quando considerado o disposto no artigo 311, inciso IV, do mesmo texto legislativo.

    Vale a pena evidenciar trecho dos dispositivos:

    “Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

    (...).

    IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

    (...).”.

    “Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se: (...)”.

    Tradicionalmente, pelo ônus da impugnação específica, incumbe ao réu se manifestar especificamente sobre os fatos articulados pelo autor, sob pena de vê-los considerados como verdadeiros (assim ontem, artigo 302 do CPC/1973, e hoje, art. 342 do CPC/2015).

    Partindo da premissa de que as atividades das partes são decisivas ao processo, o sistema estimula o exercício de algumas delas pelas partes, beneficiando-se com a pulsão processual respectiva.

    Para além de se apropriar do resultado da atividade natural das partes no perseguirem seus interesses, a disciplina processual passa à condição de indutora do comportamento, premindo ou premiando ações e omissões.

    No particular, com o ônus da impugnação específica se pretende uma postura ativa do réu no esclarecer os fatos objeto da demanda, contraindicando uma postura passiva de negativa geral.

    Percebam, poder-se-ia, excluindo o respectivo ônus, possibilitar ao réu, sem consequências, a mera negativa dos fatos afirmados pelo autor. Porém, tal postura em nada beneficiaria o sistema processual, que perderia em rendimento, tempo e recursos na apuração de fatos sobre os quais realmente não pende qualquer controvérsia.

    Por conta disso, onera-se o réu com o encargo de impugnar exatamente os fatos trazidos pelo autor dos quais discorde, dispensando-se a prova naquilo que haja concordância (artigos 341 e 374 do CPC/2015).

    Temos aí uma inteligente utilização das pulsões das partes pelo sistema processual, no que as conforma e colhe os frutos das tensões dialéticas respectivas para o bem do resultado do processo. Evita-se assim a dispersão de tempo, atividades e recursos na aferição de questões sobre as quais as partes não controvertem e nas quais a atividade do juiz seria pouco profícua, a par da anunciada postura passiva das partes na discussão de tais temas.

    Nada obstante, o CPC de 2015 inova tal estado da arte, refinando, por assim dizer, o emprego do ônus da impugnação específica dos fatos, haja vista que a disposição do artigo 341 merece ser conectada[1] com o explicitado no inciso IV do artigo 311, também do CPC/2015.

    O inciso IV do artigo 311[2], acima transcrito, trata propriamente da tutela de evidência, uma das espécies das tutelas provisórias estabelecidas pelo Código, a partir do artigo 294. A tutela de evidência, como sinteticamente expressou com exatidão GAJARDONI, nada mais é do que “uma espécie de tutela antecipada satisfativa, embora sem o requisito da urgência.”[3].

    Em si, a evidência da razão estar com o autor, preenchidos os pressupostos estabelecidos pelo Código (artigo 311), permite a antecipação da tutela pelo juiz, sem que seja necessário o concurso do tradicional periculum in mora. O rearranjo do tempo do processo aqui é pautado na evidência do direito, sem que o tempo da vida seja decisivo.

    Porém, ainda que descreva uma das hipóteses em que se permite a concessão da tutela de evidência, o inciso IV do artigo 311 também requalifica o ônus da impugnação específica do réu.

    É que o réu, acaso não queira estar sujeito a uma medida (tutela) provisória, em demandas cuja prova documental inicial demonstrou suficientemente os fatos constitutivos, deverá com sua impugnação opor prova capaz de gerar dúvida razoável (reasonable doubt).

    O ônus da impugnação é redimensionado pela potencialidade de concessão da tutela de evidência.

    Em demandas instruídas com prova documental suficiente, não basta ao réu impugnar especificamente os fatos constitutivos, devendo trazer prova capaz de gerar dúvida razoável, sob o risco da concessão da tutela de evidência.

    O ônus da impugnação passa, em uma visão ampla, a exigir mais do réu, notadamente a impugnação específica dos fatos (para evitar a presunção de veracidade) e a demonstração da existência de dúvida razoável (afastando a tutela de evidência).

    A partir do Novo Código, a valoração sobre o comportamento do réu será objeto de consideração tanto no plano probatório, quanto também na redistribuição do tempo do processo[4].

    Portanto, não basta ao réu a atitude mecânica de apresentar manifestação específica sobre os fatos, já que onerado pela necessidade de trazer dúvida razoável quanto aos fatos articulados pelo autor, sob o risco de ser concedida a tutela de evidência.

    Na estruturação do Código, existem pelo menos dois momentos marcantes para a análise da tutela de evidência, logo após a apresentação da inicial e depois da apresentação da resposta, talvez em sequência à manifestação da contestação (artigo 311, parágrafo único, do Código).

    Justamente nesse segundo momento, não sendo o caso de julgamento antecipado (artigo 355 e 356), havendo prova documental suficiente dos fatos constitutivos (o dispositivo exige apenas a suficiência da prova), não tendo o réu erigido dúvida razoável, será o caso de concessão da tutela de evidência.

    Presente a prova documental suficiente, o ônus da impugnação do réu passa a ser reforçado pela necessidade de demonstração da dúvida razoável, tendo em vista que premido pela potencialidade da tutela de evidência.

    Não resta dúvida, que tal reforço do ônus representa certo refinamento da técnica, no que exige mais dos esforços do réu, em clara decorrência do princípio da cooperação processual.

    Por vezes, da cooperação processual[5] descendem medidas contra-factuais[6], exigindo dos atores processuais novas posturas processais, afastando, por exemplo, a postura passiva do réu em não contribuir com a atividade jurisdicional, apostando, quiçá, nas regras do ônus da prova.

    Tal postura negativa impõe ao réu um novo preço, a possibilidade de sobre seus ombros ser depositado o tempo do processo, mediante a concessão da tutela da evidência, que leve em conta a ausência de dúvida razoável. Nada impede que o réu venha a se sagrar vencedor no processo (após o resultado probatório), o que não exclui a correção da tutela de evidência outorgada com base no déficit do cumprimento do ônus da impugnação específica.

    A emergência do Novo Código exigirá mais de todos. O réu, normalmente senhor do tempo do processo, restará premido para uma postura mais ativa na refutação dos fatos articulados pelo autor, e baseados em documentos, pois seu ônus da impugnação específica restou reforçado.

    Não há dúvida, a dúvida razoável é um dos objetivos a ser perseguido pelo réu.


    [1] “A divisão usual da leis em parágrafos ou artigos aparentemente separados entre si não deveria obscurecer o fato de que neles se trata só de partes de um mecanismo de proposições mais amplo, que só poderão ser plenamente atendidas na sua conexão com outras proposições, que frequentemente aparecem na lei num lugar bastante mais afastado.” (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 6. Ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012. P. 372).

    [2] Discute-se sobre o âmbito de aplicação do dispositivo, atrelando-se sua aplicação às demandas aviadas em prova documental, falando-se inclusive em sua sobreposição aos casos de julgamento antecipado de mérito (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandrino de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. Ed. Salvador: JusPodivium, 2015. Vol. 2., p. 629). Não pensamos assim. Referida tutela de evidência encontra ampla possibilidade de aplicação prática, não sendo propriamente reservada aos processos tipicamente documentais. O dispositivo não exige, como no inciso II, que as alegações sejam suportadas documentalmente. Basta a suficiência da prova documental na demonstração dos fatos constitutivos, cuja confirmação pode se dar na fase da instrução do processo, pela realização de outros tipos de prova. O dispositivo permite então a tutela de evidência pautada na demonstração documental sumária do fato constitutivo, aliada à ausência de uma impugnação e contraprova sobre o que demonstrado, a insurgência da dúvida razoável. Assim, na hipótese em que necessário instruir o processo, desde que o fato constitutivo seja sumariamente comprovado documentalmente e o réu não tenha levantado dúvida razoável, será o caso de concessão da tutela de evidência.

    [3] GAJARDONI, Fernando da Fonseca et. Al. Teoria geral do processo: comentários ao cpc de 2015; parte geral. São Paulo: Método, 2015. Vol. 1, p. 923.

    [4] A tutela provisória objetiva conjurar o fator temporal que sempre conspira contra o processo, causando prejuízos tanto endoprocessuais quanto metaprocessuais (dano marginal de indução processual — Andolina). A tutela de evidência objetiva permitir o gozo do bem da vida durante o andamento do processo pelo titular do direito mais evidente.

    [5] Sobre o modelo cooperativo do processo no Novo CPC: DUARTE, Zulmar. Contraditório cooperando de Boa-Fé: por uma Nova Gramática do Processo. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2015/01/15/contraditorio-cooperando-de-boa-fe-por-uma-nova-gramatica-do-processo/ Acesso em: 7-fev-2016.

    [6] NUNES, Dierle. A função contra-fática do direito e o Novo CPC. Disponível em: https://www.academia.edu/10431262/A_função_contra-fática_do_direito_e_o_Novo_CPC Acesso em: 7-fev-2016.

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